segunda-feira, 11 de maio de 2009

Cida

Fui descobrindo Cida aos poucos. A primeira descoberta fiz olhando direto para seus olhos sempre vermelhos ao fim das visitas. Lembro de pensar que ela não se adaptaria à realidade da fila (e quem se adapta?). E foram os olhos vermelhos que me mostraram Cida. Sempre muito elegante, cabelos impecavelmente alisados com chapinha, roupas coordenadas, sandálias altas de plataforma e algum brilho que não chega a ofuscar. A última descoberta que fiz sobre Cida foram suas unhas inacreditavelmente grandes, bem cuidadas e decoradas. Cida pinta as unhas como se fossem telas. Nela desenha pássaros, flores e borboletas coloridas. Cida tem um jardim nas pontas dos dedos.

Uns trinta e poucos anos. Quinzenalmente viaja quase trezentos quilômetros para ver seu homem na cadeia. Tenta desesperadamente a transferência dele para um presídio próximo, mas não há vagas por lá. Ela fala da esperança de conseguir a vaga. Pergunto se tem filhos. Não tem. Não teve tempo. Conheceu-o numa festa dois meses antes dele ser preso. Estavam apaixonados. Era o homem da vida dela. E a prisão veio nesse momento de descoberta. A família dele é de Minas. Ele não tem ninguém por aqui e ela não podia deixar -lo abandonado. Fez em cartório um documento de união estável para poder visitá-lo, viaja quilômetros, se enfeita, gasta todo o parco rendimento do trabalho no salão de beleza com advogado e passagens.

Pergunto como ela pode ter certeza de que esse amor tão novo vale tanto sacrifício e ela me responde, me olhando com seus olhos vermelhos de choro, que não tem. Em sua resposta sinto um peso de destino, um pouco de entrega e muito de esperança. Não sei em qual proporção a mistura destino, entrega e esperança age sobre Cida. Digo que ele é um cara de sorte. Ela sorri e reticencia o sorriso com os ombros. E segue na fila.

4 comentários:

Fabrício Brandão disse...

Querida,

Adorei a ideia do site. Essa captação viva das histórias alimenta com vigor sua escrita.

Bravo!

Beijos

nydia bonetti disse...

Uma beleza teus textos, Claudia. Tua lucidez me impressiona, desde os tempos do Overmundo.
Um abraço

Edificarte disse...

ficou legal o blogger

quando der visite o meu

deixe recados..

abraços

Andreia disse...

Quem sabe realmente se este amor porque lutamos é este O grande amor? *