domingo, 3 de maio de 2009

Eva

Blusa branca de botões, saia preta abaixo dos joelhos, coque nos cabelos. Difícil calcular a idade. A ausência de dentes, o par de muletas, o detalhe do cordão amarrando a alça da sandália velha e a quase incapacidade de se comunicar (ou será minha quase incapacidade de me comunicar com ela?)... Eva. Precisei de mais de cinco encontros para saber parte de sua história. Na fila, a gente tem receio de perguntar muito sobre as pessoas. Ontem soube do seu acidente, que a fez dependente do par de muletas para sempre: pegou uma carona num carro que bateu num ônibus e a fez passar dois anos e meio no hospital. A perna esquerda foi esmagada e hoje é uma massa disforme que ela esconde sob a saia comprida. O crânio foi reconstituído com placa de platina e ela ainda extrai cacos de vidro debaixo do couro cabeludo (peço pra alguém tirar com a agulha, diz rindo).

Eva sorri o tempo inteiro, como se vivesse no melhor dos mundos. Está feliz porque vai ver o filho. “É o filho mais carinhoso meu”. Oito anos de prisão, dos quais já cumpriu dois. E, em todas as visitas quinzenais, Eva está na fila. Para chegar lá enfrenta dois terminais do Transcol e as longas esperas das filas dos ônibus. Debaixo de chuva, chega enlameada, rindo: “o ônibus passou e jogou lama pra tudo que é lado”. Lava os pés na poça barrenta perto do galpão de espera. Não tem água nos banheiros sujos, o jeito e lavar a lama com a água empoçada.

Pergunto do acidente. Ela sorri: “foi a melhor época da minha vida!” me espanto. Ela explica: “eu era muito considerada no hospital. Os médicos chegavam pra trabalhar e iam direto me ver. Eles gostavam de mim demais. No meu aniversário, no natal, era tanto do presente que eu ganhava, umas braçadas de flor, chocolate, bolo, era roupa bonita... As enfermeiras todas eram muito minhas amigas. Eu sabia de tudo do hospital. Também... dois anos e meio lá!” E Eva desfia uma enorme quantidade de histórias do hospital, sempre rindo.

As duas maiores felicidades da vida de Eva: os dias de visita ao filho preso e o tempo que passou num hospital. Eva é feliz.

5 comentários:

Vissungo disse...

Achei bacana como está (talvez com um pouco mais imagens, não sei). Acho que é um blog pra ser todo em P&B, não é não? Fica charmosão assim e tem a ver com a linha editorial. Aliás, se for mesmo esta onda de 'memórias de cárcere' e afins, seria legal pincelar umas pitadas de humor aqui e ali.
No subtítulo 'Algumas histórias pessoas que sabem esperar' está faltando o 'de' antes de 'pessoas' ou é para ser assim mesmo?

quasarte disse...

dificil comentar

quasarte disse...

a fotografia do cabeçlho é sua? A montagem ficou muito boa.
Como vc faz para adicionar uma foto sua.
Gostaria de personalisar meu blog , mas só o que vi quanod o fiz foram opções ja prontas.
Agora vj que as pessoas estao produzindo com mais personalidade, adicionando fotos, videos, cabeçalhos e tal. Presiso. melhorar mais o meu.
Graças a vc conheci a radio Last fm queé maravilhosa.

Unknown disse...

Preciso te enviar um convite de exposição e não vejo meios para isso,sou Willi de carvalho,ví um comentário que voce fez da minha exposição, quero te enviar mais fotos.
Meu email é: willi@willidecarvalho.com.br.
Um abração

nydia bonetti disse...

Teus textos são tão intensos que fica difícil comentar, Claudia. Sinal que nos atingem em cheio.
E há tantos que passam a vida assim: Esperando, esperando, esperando...
beijo